quarta-feira

"Que Deus lhe dê toda a sorte do mundo"

Há cerca de um ano, ano e meio, fui confrontada com uma situação, que me deixou com o coração nas mãos...
Uma senhora, de oitenta e muitos anos, que pedia esmola pelas ruas da minha Cidade. Era uma visão tão triste, como poucas que ainda me fazem sufocar, as pernas tremer e os olhos ficarem rasos de agua...
Acerquei-me dela e perguntei se já tinha comido alguma coisa, disse-me que não, e que nada queria, estava sim, preocupada com a receita que trazia nas mãos, remédios que há muito deveria ter tomado, mas, que a reforma de 39 contos, não conseguiam comprar.
Mantive a conversa durante algum tempo, para sentir a veracidade da situação, fiquei a saber então, que sustentava um neto que muito amava, mas que a vida também lhe era madrasta...
Nessa altura da minha vida, também eu passava por momentos delicados, onde diariamente era posta à prova sobre a minha capacidade de compaixão e amor ao próximo. Julguei que, momentos como aquele, já nada me diziam, que tinha a "delicadeza" de passar por eles, como a maior parte das pessoas.
Mas não, dentro de mim, ainda habitava a mesma mulher, que é incapaz de ficar imune ao sofrimento alheio.
Levei-a a uma farmácia, paguei-lhe toda a medicação receitada, coloquei-lhe uma nota na algibeira da bata, e ainda a deixei na paragem das camionetas, que se deslocavam à sua aldeia.
Hoje fui a Évora, e à porta de um dos centros comercias da zona, reparo na mesma senhora, com a mão estendida a pedir a mesma esmola.
Ao chegar-me, eu, pois mais ninguém o fez para além de mim, disse-lhe que a conhecia da minha Cidade, ela não se lembrava de mim... Falei-lhe então no neto e na medicação que alguém ajudou a comprar.
Perguntou-me se tinha sido eu...Se era eu, o anjo, que lhe tinha salvo a vida há cerca de dois anos atrás.
Respondi que sim, mas que de anjo, não tinha nada, sorriu mas já com lágrimas que lhe iam lavando o rosto.
A mesma nota na algibeira, a mesma caricia no rosto, chorámos ambas como crianças que há muito deixámos de ser.
-Menina, uma vez mais, que Deus lhe dê toda a sorte do mundo, e agora, vou ali comer uma sopinha, porque ainda hoje não comi nada...
Virei as costas, com o mesmo nó na garganta, com que escrevo agora. Com a mesma certeza, que nesta vida há muita coisa errada...
Como era possível, aquela mulher, pedir que Deus me desse sorte a mim. Não andará Ele, um pouco distraído, de costas voltadas a quem não merece??!!
Mais uma lição, que eu recebi hoje..Se me julgava fria e impiedosa, enganei-me.
Se me sinto triste e revoltada, com o que a vida tem tido para me dar, que dizer então, da "minha amiga", com a idade que tem e que sobrevive da caridade ou solidariedade humana.

Coragem